quarta-feira, 6 de maio de 2009


O fundamentalista é um fanático… e seu fanatismo o torna uma contradição ambulante, em que ele nega, por suas ações, a fé que afirma professar. Isto não significa que o fundamentalista seja um amigo dos paradoxos. Muito pelo contrario, ele os teme, já que, diferentemente do que a maioria dos fundamentalistas imagina, é na razão (no racionalismo filosófico e na razão instrumental pragmática) e não na fé, que o fundamentalista encontra apoio teórico para suas ações.


O fundamentalista é antes de tudo um inquisidor. Ele persegue e destrói para proteger e salvar, e está disposto a ir às últimas conseqüências para isso. Como qualquer inquisidor, o fundamentalista vê a liberdade de pensamento e de expressão como uma ameaça. Ele entende todo questionamento e toda crítica como formas dissimuladas de ataque, o que evidencia sua neurose paranóide.


O fundamentalista tende a conviver somente com os outros fundamentalistas e, por isso mesmo, acaba isolando-se cada vez mais, o que cria um circulo vicioso de obscurantismo, guetoísmo e uniformidade. Para o fundamentalista, o demônio é o “outro”, isto é, o demônio é identificado com toda forma ostensiva de alteridade. Em vez de dialogar com o outro, ele o hostiliza. Em vez de ver no outro um espelho através do qual ele poderia contemplar suas próprias fraquezas para seu próprio bem, o fundamentalista vê no outro (e na alteridade) uma ameaça.


O fundamentalista religioso se vê, em geral, como dono da verdade, detentor de uma revelação que os outros não possuem ou não compreendem. Ele não enxerga suas próprias limitações, sua humanidade, e se vê, portanto, como mais que humano, ou pelo menos como um ser humano mais privilegiado, selecionado por Deus para um conhecimento secreto ou para uma missão sagrada especial. O fundamentalista não percebe que sua alegada verdade é apenas uma possibilidade entre as outras, e que a única forma de avaliá-la e comprová-la seria estabelecer um diálogo com seus semelhantes que pensam diferentemente, para que, no jogo das interpretações, as incoerências se manifestassem e todos crescessem com isso.


(...) O fundamentalismo é um veneno terrível para o cristão e para as igrejas cristãs. Ele tende a matar lenta e imperceptivelmente, porém também inevitavelmente, a fé dos indivíduos das comunidades. O fundamentalismo é um veneno tão ruim ou até pior que o liberalismo teológico que tanto teme e combate. Ao combater o liberalismo teológico, os fundamentalistas acabam por rotular como liberalismo todas as idéias e noções que sejam um pouco diferentes das suas próprias, e acabam por declarar “liberais” todos os que os questionam ou que problematizam as questões que eles querem fazer crer serem absolutamente cristalinas.


(...) Os pastores fundamentalistas entram facilmente em crise ministerial, ou então se tornam pastores corruptos e politiqueiros, ou ainda aderem a uma piedade pervertida em que se vêem como responsáveis por manter as igrejas protegidas das chamadas heresias. Em nome dessa causa, seus sermões tornam-se teológicos, e a palavra de conforto e orientação que deveria vir do púlpito se torna cada vez mais escassa e a congregação fica sofrendo de inanição espiritual o que acaba gerando um círculo vicioso de maus pastoreios e falta de nutrição espiritual gerando igrejas fracas e que já não mais são capazes de reconhecer o mau pastoreio e a má nutrição, e não são capazes de expurgar de si esses males.


Ricardo Quadros Gouvêa


(Trechos de: GOUVÊA, Ricardo Q. A piedade pervertida. Um manifesto anti-fundamentalista. Em nome de uma teologia de transformação. São Paulo: Grapho Editores, 2006, p. 34-36).

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